Americando: O sentir pandêmico: entre afetos, amizades e solidões

Nesses tempos de pandemia muita coisa mudou… elementar… O cuidar do próximo é algo interessante… você se esvazia de algo, embora não sabe o que, quando ajuda alguém, e ao mesmo tempo se sente ajudado… Não vale a pena viver sem ajudar… sinto isso… Conversas por redes sociais, em alguns encontros casuais regados a muita proteção… álcool, máscara e distanciamento… vi que as coisas não andam muito bem com várias pessoas… comigo idem… Visitei uma pessoa consumida por uma doença que a cada dia lhe deixa mais debilitada… Pude ver que o corona não é sua principal preocupação, mas vencer o mal que lhe consome. Essas pessoas gostam de serem ouvidas… gostam também de escutar e em meio ao caos político, social e econômico que abate a nação, elas padecem do mesmo caos aglutinado ao seu estado de saúde…

Conversei com outra pessoa, que nem conheço de fato, só de vista, que se separou… Muita dor, angústia e até rancor…. as coisas já não viam dando certo, a pandemia ajudou a desmoronar a utopia de uma família tradicional que nem a sociedade e nem a igreja sabem se livrar do modo farisaico de ser e repassar isso adiante…. uma criança vai sofrer por essa cisão, e o que podemos dizer frente isso? Complicado… até porque em meio a este estado de coisas uma pessoa muito amiga se foi… não de morte, não pela pandemia, mas de amizade mesmo… Pra variar… ideias políticas nos fizeram perder o vínculo… Essa pessoa a considero muito inteligente, mas entrou em uma onda negacionista, conspiracionista, adotou uma filosofia sem método de um filósofo aí e passou a vida sendo pobre, foi sustentado por funcionário público, é funcionário público e banca de defender tudo que acaba com os direitos dos tais… uma coisa aí de estado mínimo… Não mais nos falamos, mas não duvido de que essa pessoa se recuse a tomar a vacina e em 22 continue fazendo arminha… pois é… Torce para o Vasco… é de um meio eclesiástico que se encantou com um mito e hoje alguns não sabem onde põem a cara… Sinto falta das nossas resenhas… até porque umas doideiras que tenho de manias de repetição essa pessoa também tem… Mas… acho que as coisas nesse país frente ao empoderamento de grupos antagônicos fizeram brotar uma antipatia que já existia em alguns contexto mas era suportada… Agora, como figuras públicas sem racionalidade barganharam poder e tiveram êxito, muitos indivíduos massacrados com o sistema se assemelharam ao Rei nu de uma corte falida de intelecto, se sentiram parte de toda a falta de lógica ventilada por todos os cantos e foram na onda de gritar e se reconhecer como alguém do grupo… pois antes não dava… era distante… mas depois que o país teve um governo popular, fez pobre se desenvolver e ter qualidade de vida! Pronto… é hora de gritar e fazer parte daquele grupo lá que não sei quem é, nem sei o que são de fato, mas falam máximas que me agradam e conservam o meu pequeno poder nesse meu pequeno microcosmo de satisfação individual frente alguns indivíduos cabeludos que sempre leram e se informaram mais…. É isso… sinto falta dessa amizade… me magoei com um áudio que essa pessoa me enviou… certamente nem sabe disso ao certo…

Um velho amigo, dos poucos que fiz em mais de três décadas, viu uma imagem em minhas redes de um pássaro em cima de um muro comtemplando o concreto que ficou no lugar de seu habitat… ele indagou: “Triste pássaro ou pássaro triste?”, mais adiante continuou, isso foi pelo zap: “Triste pássaro ou pássaro triste? A imagem evoca a solidão que castiga. O pássaro está solitário, contemplativo e mergulhado em si mesmo. Não se pode dizer que há tristeza, mas há ausência de algo que lhe falta e o faz melancólico e só. Este triste pássaro revela o eixo definidor da cultura humana: a solidão”. Ele conseguiu traduzir em palavras o que eu sentia pela imagem captada por uma câmera… gosto de fotografar… Adiante ele ainda diz me interrogando: “És tu, meu amigo, esse triste pássaro ou pássaro triste? Na imagem desse pássaro, vejo a solidão de um lobo sem alcateia. Mas o que é o lobo sem sua alcateia? Um errante, um ser sem proteção e companhia. Como uivar feliz para a lua se está solitário e sem o calor do abrigo e da companhia que sempre o aqueceu? Será que esse pássaro solitário não está preenchido de pessoas virtuais e isolado de seres reais próximos?”, o pior é que esse velho camarada me conhece em alguns aspectos, nos confidenciamos em meio aos nossos demônios existenciais de família, relacionamentos e profissão… gostei da comparação com o lobo sem alcateia… de fato, por ser averso as instituições, comungo da ideia de uivar sozinho na noite para lua… até porque o bom de não ser leão, embora o rei da selva, o forte e a fera símbolo, é que o lobo não trabalha no circo… Velho amigo… esmiuçou algumas coisas do meu sentir pandêmico… trabalhar no circo não dá… gosto de ser lobo.

Finalizando o texto sobre a imagem do pássaro, o meu camarada disse: “Fica com Deus pássaro ferido. Não temas ouvir teus próprios pensamentos e nem abafar os gritos da tua consciência. Mas saiba que quanto mais consciente fores, mas solitário te sentirás. Abraços, meu nobre amigo” De fato… parece que a consciência nos leva a um deserto… caduquei querendo viver ao meio, na multidão, se sentindo parte… cansei… fui pássaro ferido, mas não morri… Algumas coisas foram muito significativas em meio ao sentir pandêmico… O objeto do desejo jamais vem acompanhado da razão, a solidão devora, mas ensina; a ausência brota saudade e o afeto existe mesmo que seja no pensar, no ouvir o outro, no estar com o outro na dor, na solidão em uma mensagem em rede social… na amizade… O bom da saudade é que uma hora ela passa… o desejo dá lugar a razão e o lobo gosta de estar sozinho… pois a consciência nos deixa assim…

Em meio a este sentir pandêmico, afetos, solidões e amizades com o Apocalipse no retrovisor da existência humana, não precisamos dizer tudo… basta sentir, os outros embora não digam nada geralmente, percebem na lei do silêncio a despeito de qualquer orgulho; porém, os verdadeiros amigos vão sentir com você a sua solidão, afeto e amizade…

“Não fui o que os outros foram. Não vi o que os outros viram, mas por isso, o que amei, amei sozinho.” ( Edgar Allan Poe).

*Por Américo Neto