Brasil
Desemprego dos pais empurra filhos mais cedo para o mercado de trabalho

Quando a paulistana Beatriz Ferreira, de 18 anos, começou a vender panos de prato em uma esquina da avenida Paulista, na região central de São Paulo, no ano passado, ainda nem tinha saído da escola. Com nove desempregados na família, ela não teve outra alternativa, além de sair para tentar ganhar alguns trocados, enquanto os pais tentam voltar para a formalidade.
“A gente tem de aproveitar até a época do Natal, enquanto as pessoas estão circulando mais pelas lojas, para tentar ganhar um pouco mais. Lá em casa, ninguém trabalha registrado e todos têm de se virar para conseguir sobreviver. É duro, mas é o que a gente tem agora e não adianta ficar reclamando”, contou, em dezembro.
Histórias como a dela são cada vez mais frequentes. A crise tirou empregos dos chefes de domicílio ou fez com que eles tivessem de aceitar novas ocupações que não pagavam o suficiente para sustentar a família, levando os companheiros e filhos a anteciparem a entrada no mercado, muitas vezes pelo caminho da informalidade.
Dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do terceiro trimestre de 2019, apontam que a taxa de participação de dependentes no mercado de trabalho alcançou 60,1% – mais do que no mesmo período de 2018 (58,8%) e bem acima do que havia sido registrado em 2014, antes da recessão, quando os dependentes eram 55,8%.
No terceiro trimestre do ano passado, eram 59,2 milhões de brasileiros que não eram chefes de domicílio e faziam parte da mão de obra disponível – 6 milhões a mais do que cinco anos antes, quando o País não tinha enfrentado a recessão.
Os números, compilados para o Estado pela consultoria IDados, também mostram que os chefes de família ainda são maioria na força de trabalho, mas o desemprego e a dificuldade de recolocação tornaram cada vez mais difícil para eles a conquista do emprego.
No fim de 2012, ano em que a Pnad começou a ser feita, a participação desses chefes de domicílio no mercado de trabalho batia em quase 70%. Sete anos depois a queda registrada é de quase quatro pontos porcentuais.
Para Bruno Ottoni, economista da iDados, esse cenário é ilustrativo da atual situação do mercado de trabalho: a recuperação até ocorreu em 2019, mas foi lenta e puxada por vagas de menor remuneração. “A participação dos mais jovens aumentou quase três pontos porcentuais desde a recessão; a de mulheres, quatro pontos porcentuais. A família precisou se reorganizar para tentar se manter”, avalia.
“Há um esforço de toda família, e o desemprego de longa duração leva a pessoa a agarrar a primeira oportunidade”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Informalidade X carteira assinada
A entrada antecipada e em condições adversas de um jovem no mercado de trabalho, para compensar a perda de renda da família, pode condenar esses trabalhadores a anos de informalidade e baixa remuneração.
O economista da consultoria IDados Bruno Ottoni lembra que a falta de experiência e a necessidade forçam os dependentes a caírem na informalidade. “Quando se é jovem e é preciso procurar trabalho nessas condições adversas, alguns são obrigados a parar de estudar. Esse trabalhador deixa de acumular capital humano e só consegue vagas de baixa remuneração.”
No trimestre móvel encerrado em novembro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, as ocupações sem carteira lideraram a geração de vagas, e houve recorde de 38,8 milhões de informais. Sérgio Firpo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), lembra que o trabalhador que começa na informalidade tem mais chances de permanecer sem carteira. “Ele terá menos oportunidades depois, mesmo quando a economia se recuperar.”
‘Jovem não conquista o que os pais alcançaram’
Para o sociólogo José Pastore, que é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e professor da Universidade de São Paulo (USP), as dificuldades que os mais jovens enfrentam hoje no mercado de trabalho são maiores do que as que seus pais enfrentaram, tanto pela necessidade de treinamento e atualização, quanto pelos reflexos da recessão de 2015 e 2016, que tirou o emprego de chefes de família e antecipou a entrada no mercado de jovens com qualificação incompleta
Fonte: Diário do Nordeste
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