Saúde
Por que vacinar meninos e meninas contra o HPV?
O Ministério da Saúde anunciou na semana passada que, a partir de 2017, incluirá meninos de 12 a 13 anos na campanha de vacinação contra o HPV, o vírus do papiloma humano, sexualmente transmissível, que causa uma série de doenças.
O plano é ampliar a faixa etária gradativamente até que, em 2020, a vacinação seja oferecida a meninos dos 9 aos 13 anos, como já ocorre com meninas desde 2014.
Segundo o Ministério da Saúde, a medida faz do Brasil o primeiro país da América do Sul e o sétimo do mundo a incluir meninos em um programa nacional de imunização de HPV.
Subtipos do vírus estão relacionados a quase todos os casos de cânceres no colo útero, o que explica o foco inicial no sexo feminino. No entanto, ainda que em números menores e sem o mesmo nível de divulgação, o vírus está também relacionado a cânceres como o de pênis, ânus e boca, tornando necessária a imunização de ambos os sexos.
A reportagem apresenta abaixo respostas para algumas das dúvidas mais comuns relacionadas ao vírus e à vacinação.
O VÍRUS E AS DOENÇAS
O que exatamente é o HPV?
É o vírus do papiloma humano (ou HPV, da sigla em inglês human papiloma virus). A palavra papiloma faz referências às típicas, porém nem sempre encontradas, verrugas que resultam da infeção por tipos específicos do vírus. Há mais de 200 subtipos. Desse total, mais de 40 são facilmente transmitidos pela via sexual, com o contato direto da pele ou de uma mucosa infectada. Esse contato pode ser genital-genital, oral-genital ou manual-genital. Entre eles, cerca de 12 são considerados de alto risco e podem causar câncer. Os subtipos 16 e 18, por exemplo, são responsáveis pela maioria dos casos de câncer relacionados ao HPV. Já os tipos 6 e 11, responsáveis por 90% das verrugas em regiões de mucosas, genitais e ânus, não estão relacionados ao câncer.
Quantas pessoas têm HPV?
O HPV é o vírus sexualmente trasmissível mais comum. Cerca de 50% dos homens e mulheres sexualmente ativos nos Estados Unidos, por exemplo, já contraíram o vírus em algum momento da vida. Na maioria do casos (cerca de 90%), o sistema imunológico consegue derrotar o vírus no período de dois anos. Nesse período, no entanto, a maior parte das pessoas não desenvolve sintomas, não sabe que é portadora e pode infectar parceiros. Além disso, é possível que a pessoa só desenvolva os sintomas anos após ter tido contato com alguém infectado, tornado-se difícil a tarefa de determinar quando ocorreu a infecção.
Que tipo de doenças o HPV causa?
“Tanto em mulheres quanto em homens, ele pode causar problemas como verrugas genitais, que são mais fáceis de tratar, até doenças potencialmente gravíssimas, como o câncer do colo de útero”, explica Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
O HPV pode provocar também lesões pré-cancerosas, ou seja, lesões que podem se transformar em um câncer.
No entanto, contrair o HPV – mesmo os subtipos considerados de alto risco- não significa um câncer quase certo. Segundo o site do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, a maior parte das infecções por HPV ocorre sem apresentar qualquer sintoma. Algumas, no entanto, persistem por muitos anos. E infecções persistentes com subtipos de alto risco do HPV levam a mudanças nas células que, sem tratamento, podem causar câncer.
Quais tipos de câncer o HPV pode causar?
Nas mulheres, o vírus é responsável por praticamente todos os casos de câncer do colo do útero, o terceiro mais incidente entre as mulheres brasileiras, atrás dos tumores de mama e intestino. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2016, surgirão 16 mil novos casos desse tipo de câncer no Brasil e haverá 5,4 mil mortes.
O HPV pode causar ainda o câncer vaginal e na vulva
Tanto em homens quanto em mulheres, o HPV também está associado ao surgimento de câncer anal e também de tumor na boca (6º tipo de câncer mais comum do mundo, com 230 mil mortes todos os anos). Já exclusivamente nos homens, o vírus pode provocar câncer no pênis.
A VACINA
Que idade é o público alvo da vacina?
A partir de janeiro de 2017, o governo vai oferecer a vacina também para meninos de 12 e 13 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Já a vacina dada às meninas tem como público alvo as que têm entre 9 e 13 anos. O plano é ampliar a faixa etária gradativamente até que, em 2020, a vacinação seja oferecida a meninos dos 9 aos 13 anos, como já ocorre com meninas desde 2014.
Por que vacinar nessa faixa-etária, já que não têm relação sexual ainda?
O objetivo é proteger as crianças antes do início da vida sexual e, portanto, antes de serem expostas ao vírus.
“A vacina é eficaz para todos. Mas é claro que para os que são sexualmente ativos a efetividade é menor por uma questão: os jovens que já iniciaram a vida sexual podem ter tido contato com o vírus antes de se vacinar”, afirma Isabella.
“Do ponto de vista de saúde pública, quanto mais precocemente se der a vacina, maior o impacto, tanto em meninas como em meninos. Vacinando quem ainda não teve relação, evitamos ter tantas dessas lesões (pré-malignas). Vacinar precocemente é válido tanto para imunizá-los antes que se infecte, mas também porque sabemos que quanto mais novo, mais robusta é a resposta à vacina.”
Adolescentes já contaminados pelo HPV também se beneficiam da vacina, porque ele provavelmente não se infectou com todos os tipos de vírus – assim, a imunização o protege de vírus que ele ainda não encontrou em contato. Além disso, a chance de novas ocorrências de lesões pelo HPV diminui com a vacina.
Já os adultos não vacinados podem se beneficiar dessa imunização também. No entanto ela não é oferecida na rede pública, já que o SUS dá preferência aos grupos prioritários, no caso, crianças e adolescentes.
Como é e como age a vacina?
Tanto meninos quanto meninas tomam a vacina quadrivalente, que oferece proteção contra quatro subtipos do HPV (6, 11, 16 e 18) com um índice de 98% de eficácia, segundo o governo.
Os subtipos 6 e 11 são ligados ao surgimento de 90% das verrugas na região genital e anal. Já o 16 e o 18 foram relacionados a 70% dos casos de câncer do colo do útero, também são responsáveis por cerca de 80% dos cânceres de ânus e 50% dos casos de câncer de vagina, vulva, pênis e sistema orofaringe.
Como outras vacinas, esta estimula a produção de anticorpos específicos para certos tipos de HPV. É dada por meio de injeção, com duas doses, separadas entre si por seis meses de intervalo. “Essa segunda dose é fundamental para a efetividade da vacina. A primeira estimula o sistema imunológico, mas a segunda é necessária para atingirmos a proteção que queremos”, diz Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
MENINOS TAMBÉM
Por que o governo brasileiro decidiu ampliar essa imunização para o sexo masculino?
Em primeiro lugar, para proteger contra os tipos de câncer que atingem homens e estão diretamente relacionados ao HPV, como o de pênis, boca e ânus – mais de 90% dos casos de câncer anal são atribuídos à infecção pelo vírus. Além disso, vacinar meninos reduz o risco para a população como um todo, o que se denomina proteção de rebanho.
Há provas de que meninos ficam protegidos indiretamente com a vacinação de meninas e, acredita-se, o contrário também se mostra eficaz.
“Um estudo na Austrália mostrou que vacinando apenas as meninas reduzia também a incidência de verruga genital entre os meninos da mesma faixa etária”, afirma Isabella, da SBIm.
Meninos tomam esta vacina em outros países?
Sim, atualmente é usada nos Estados Unidos, Austrália, Áustria, Israel, Panamá e também Porto Rico. Na América do Sul, o Brasil é o primeiro país a implementá-la como estratégia de saúde pública.
SEXO PRECOCE?
Alguns pais temem que a vacina pode incentivar o filho ou a filha a iniciar a vida sexual mais cedo. Isso pode ocorrer?
“Isso é pura hipocrisia. Tem gente que quer tapar o sol com a peneira e prefere não falar de preservativo ou de outros assuntos ligados ao sexo com adolescentes. Ele vai iniciar a vida sexual dele na adolescência. Então, é muito melhor ter informações adequadas, seja sobre preservativos ou vacinas, antes de se expor. É preciso ensinar esses jovens sobre o autocuidado.”, diz Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A dra Isabella concorda: “Um estudo que acompanhou meninas desde a infância, divididas entre as vacinadas e as não vacinadas contra HPV, mostrou que ninguém inicia a vida sexual por causa da vacina. Do mesmo jeito que oferecer anticoncepcional tampouco influencia nisso.”.
‘REAÇÕES?’
A mídia divulgou relatos de pessoas que tiveram reações adversas ou passaram mal supostamente depois de terem tomado a vacina. É verdade?
Ambas as especialistas afirmam que todos eventos adversos foram ou estão sendo investigados, e qualquer relação causal com a vacina foi descartada.
Elas lembram que muitas pessoas passam mal ou desmaiam não pela vacina em si, mas pelo processo de vacinação. Há quem sofra com desmaios ao ver agulhas, ao sentir dor ou se submeter a procedimentos médicos, por exemplo. Esses desmaios leves são chamados de síncope vasovagal. Em alguns casos, o jejum prolongado e o fato de ficar sentado em lugares muito quentes também podem provocar os desmaios. O ideal é ficar 15 minutos sentado antes de se levantar.
Mas e os casos de meninas que desmaiaram na mesma escola, após a vacina?
“Pesquisei a literatura sobre o tema desde 1972. Há muitos casos semelhantes, de desmaios em massa, envolvendo adolescentes na ocasião de campanhas de diferentes vacinas, como gripe e tétano. É uma característica ligada à adolescência. Quando um adulto desmaia, por exemplo, não costuma influenciar outro adulto a desmaiar também”, explica Isabella. Ou seja, seria uma reação psicológica.
PREVENÇÃO
Basta a vacina para se prevenir desse tipo câncer e outras doenças?
Além da vacina, a prevenção contra esse tipo de câncer também continua envolvendo o exame Papanicolau, que identifica possíveis lesões precursoras do câncer que, tratadas precocemente, evitam o desenvolvimento da doença.
O preservativo não basta para proteger contra o HPV?
Não. O vírus pode ser transmitido mesmo com a camisinha, já que o homem e a mulher podem ter a presença do vírus em outras áreas não cobertas pelo preservativo como as mucosas.
O governo recomenda que mulheres entre 25 e 64 anos façam frequentemente o Papanicolau – o exame para detectar essas verrugas e diagnosticar a presença do vírus HPV.
O beijo pode transmitir HPV?
Segundo o CDC (na sigla em inglês, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, órgão do governo americano para promoção da saúde pública), alguns estudos sugerem que as mucosas da boca, quando infectadas, podem ser vetores do vírus durante o sexo oral e também durante o beijo. Os resultados, no entanto, não são conclusivos. A dificuldade de proteção dessa forma de contágio, no entanto, reforça a importância da vacinação.
Fonte: BBC
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